quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ex-jogador explica como é a vida na base

     Ele atuou grande parte da curta carreira no Rio Branco, e quando saiu nunca foi para tão longe. Tentou a sorte no Paulínia, no Campinas, na Ponte e acabou voltando ao Rio Branco onde assinou contrato profissional. Disputou a Copa São Paulo de 2010 e no mesmo ano enfrentou o pior adversário de sua vida, um câncer no sistema linfático. O momento duro que teve um final feliz mas, como uma das consequências, o fim de sua carreira no futebol. José Milton da Costa Neto, campineiro de 23 anos e formado em administração no fim do ano passado, divide nessa entrevista as experiências vividas por ele no futebol de base.


Indústria de base - Conte da sua carreira de como decidiu ser jogador, e as razões pelas quais acabou escolhendo por não seguir nesse caminho. 

José Milton - Sempre joguei bola, desde criancinha e cheguei em uma certa idade em que comecei a me dedicar a me tornar profissional. Com 14 anos, comecei a jogar no Rio Branco de Americana, entrei na equipe sub-15, joguei também no sub-17 e em uma curta saída passei pelo Campinas, pelo Paulínia e pela Ponte. Voltei para o Rio Branco, novamente sub-17, sub-20, joguei uma copa São Paulo em 2010 e me profissionalizei lá. Assinei meu primeiro contrato profissional no fim de 2009, aí parei de jogar no meio de 2010, depois da copa São Paulo, por que  eu  eu descobri uma doença, tive um câncer no sistema linfático. Me tratei e depois que eu me curei resolvi não voltar a jogar. Eu estava em uma idade que eu não podia mais jogar a copa São Paulo, se eu fosse para o profissional seria para campeonatos muito ruins e eu não queria isso, já estava fazendo faculdade e teria que trancar para jogar uma quarta divisão de campeonato paulista, então eu decidi ficar só na faculdade


IB - A gente sabe que muitos meninos nem na base conseguem entrar e que para se tornar profissional o desafio é maior ainda. Como sua família passava a ideia de que era importante se preparar também para uma vida fora dos gramados caso o futebol não desse certo? 

JM - "Minha família me apoiava bastante no que eu queria fazer que era me tornar jogador, me deu todo o apoio possível, só que ao mesmo tempo exigiam bastante de mim na escola desde pequeno. Entrei direto na faculdade levando paralelamente os treinos, jogando no sub-20 do Rio Branco. Então eu estava preparado para parar de jogar se isso viesse a acontecer".


IB - Mesmo jogando sempre relativamente perto da sua cidade, você chegou a viver em alojamento?

JM -"Eu morei tanto em casa quanto em alojamento. Tinha uma época que eu morava em Campinas e ia para Americana todo dia e voltava, quando ainda estava na escola. Na época da faculdade eu comecei a morar no alojamento, eu ia de van para a faculdade, era mais fácil".



IB - Muitos garotos dividiam os treinos com os estudos, como você, ou você era uma exceção?

JM - "Eu era uma exceção sim, no Rio Branco eu joguei 5 ou 6 anos e conheci mais um jogador lá e que fazia faculdade também, ele era mais velho que eu e fazia esse mesmo esquema, ia para a faculdade, morava no alojamento e ia de van. Durante esses anos éramos eu e ele que fazíamos faculdade paralela aos treinos. Se eu não me engano ele parou de jogar, esteve no Palmeiras depois que ele saiu do Rio Branco, acho que depois de um tempo ele parou".


José Milton, de preto/Arquivo pessoal
IB -Os jogadores que assim como você cursam a faculdade paralelamente aos treinos tendem a a escolher pela faculdade dada a dificuldade da carreira?

JM - "Acho que depende muito, a pessoa se sente mais segura para parar de jogar caso ela veja que não vai dar certo. Ela sabe que pode se dar bem em outro lugar, tem a segurança de que tem outro rumo para seguir. Mas acho que se tudo estiver dando certo, se for para um profissional, se ela estiver tendo oportunidade se for aparecendo essa oportunidade ela vai levando os dois até o momento que dá. Acho que mesmo quem faz faculdade quer mesmo é seguir jogando, se for dando certo ela tenta jogar, terminar a faculdade e continuar jogando para ter uma profissão depois de parar, mas se sente mais segura para parar caso veja que não está dando certo".


IB - Existe o incentivo dos clubes para que os meninos estudem continuem conciliando o colégio com a carreira ou isso é visto pelas instituições mais como uma obrigação? 

"Os clubes até incentivam, levam e buscam na escola os alojados tentam acompanhar ao máximo, mas em um clube pequeno isso é mais difícil por que não tem tantos profissionais para acompanhar, para cobrar, eles tentam fazer o máximo". 


IB - Você enxerga uma boa vontade nesse sentido?


JM - "Tem sim, o problema é que muito moleque não quer, isso dificulta. O moloque não quer, às vezes ele é muito bom e o clube não pode perder por que é ele no clube que tem mais chance de virar jogador, mesmo assim os clubes tentam acompanhar, matricular". 


IB - Sobre exploração de menores, você citou o aliciamento de atletas(em conversas anteriores à entrevista). Como isso funcionava? Como você ficava sabendo e o que você acha que poderia ser feito para que houvesse uma melhor fiscalização?*

JM - "Eu jogava em um clube mas tinha muitos amigos de outros e há essa conversa, troca de histórias. Tem muita gente que acaba saindo com outras pessoas, com maiores de idade, meninos até menores de idade  que fazem isso em troca de dinheiro, de chuteira. Isso acontece bastante e é difícil controlar por que às vezes era em alguma folga do atleta, às vezes o atleta foge, fala que vai dormir na casa de um amigo e acaba saindo com essas pessoas que oferecem par de chuteira, dinheiro e fica complicado denunciar por que eles aceitam isso, não contam para ninguém então acaba sendo bem pouco falado".


IB - Existem casos de treinadores ou algum outro funcionário do clube que se utiliza de sua posição hieráriquica para se aproveitar dos garotos?*

JM -"Eu já ouvi histórias, mas nunca presenciei, nunca trabalhei com um técnico assim só ouvi falar mesmo, eu ouvia que acontecia há um tempo, mas próximo a mim nunca aconteceu acho que pode ter acontecido com gerações anteriores a mim". 


IB - Existe alguma coisa que poderia melhorar para que o jovem futebolista da categoria de base possa se tornar uma pessoa mais completa independente de carreira que siga?

JM - "Acho que os clubes grandes, que tem mais recursos estão bem estruturados nesse sentido, para dar esse apoio, particular, pessoal, para os atletas das categorias de base. Agora nos pequenos realmente é complicado por que são poucos profissionais, poucos recursos, então eles acabam focando na parte do campo mesmo, na parte de formação do atleta. Na verdade todos tentam, até os pequenos estão conscientes dessa formação, mas o clube acaba não tendo recurso para criar essa estrutura, eles acabam ajudando na formação das pessoas que querem ser ajudadas, tem outros que não querem e acabam tomando outro caminho. Em alguns clubes a estrutura é precária para fazer isso, apesar de a maioria ter a consciência da necessidade dessa formação".


*Outros casos de abusos na base vieram à tona e ganharam espaço na mídia

Marcelo - O Goleiro Marcelo Marinho denunciou em 2005, em entrevista coletiva quando atuava pelo Corinthians, que aos 12 anos era assediado pelo preparador de goleiros da base do Vasco, em 1997. 

Willian -  Em entrevista ao Lance quando jogava no Shaktar o meia, que vai disputar a Copa do Mundo no Brasil, declarou:

"todo mundo sabia o que acontecia lá".

"Nenhum jogador vai falar, mas tenho certeza de que tinha lá. Graças a Deus, nunca fui convidado (para o sítio do diretor da base). E, mesmo que fosse, não iria. Sabia que alguma coisa de ruim podia acontecer"

Fabinho Fontes - Também quebrou o silêncio, denunciou os abusos que aconteciam na base do Corinthians na década de 90, depois de condenado a oito anos de cadeia por abusar de uma menina de 5 anos. 

PLACAR/ Maio de 2013 - Diversos casos de treinadores que se aproveitam da vulnerabilidade e do sonho dos garotos para atraí-los a suas armadilhas foram denunciadas em reportagem publicada pela Revista Placar em maio de 2013.

Fontes:

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