sábado, 19 de julho de 2014

Recalculando

     Quem leu o post "Voltamos!" viu que na visão do Indústria de base o futebol brasileiro tem muito mais do que quatro anos de trabalho pela frente para voltar a ser a principal força do futebol mundial, começando um projeto alinhado com o que acredita-se aqui no IB ser o pensamento ideal para o futebol brasileiro o alvo seria 2022. Contudo, levando em conta o que foi dito no último post, que o buraco é muito mais embaixo e a formação de todos, repito, de TODOS os profissionais envolvidos deve ser aperfeiçoada, e tudo o que foi conversado em mais de duas horas de bate-papo com principal parceiro intelectual do blog Carlos Thiengo, mestre em Ciências da motricidade, foi necessário assumir que a previsão deve ser recalculada.

     A entrevista coletiva de apresentação do novo staff da seleção indica que a maneira com que se enxerga o futebol continua a mesma. Incomodou o apontamento de resultados na base como sinônimo de bom trabalho, a visão de que independente de qualquer coisa aqui nascem os melhores jogadores, que 2018 é o prazo máximo que se pode colocar para o projeto e que a melhor questão, ou talvez mais pertinente, veio não de um jornalista brasileiro, mas de uma alemã. Ela perguntou sobre a importância dos clubes e as respectivas bases no projeto que se inicia com a nomeação de Gilmar Rinaldi. 

     O melhor jogador do mundo é o brasileiro? Para Carlos o fato de o Brasil ser o país que pratica o futebol de maneira massificada mais populoso do mundo - China, Índia, Estados Unidos e Indonésia, os mais populosos, não o fazem de maneira massificada - ajuda a explicar esse fenômeno, se ele estiver certo nossos dias como país hegemônico no futebol estão contados. Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Escola de Enfermagem da UFMG, repercutida pelo blog da urbanista Raquel Rolnik, mostra que a prática do futebol vem perdendo espaço para os treinos nas academias de musculação e ginástica, ou seja, teremos menos meninos na base para alimentar o topo da pirâmide, a seleção. A explicação, segundo o post e a pesquisa, está no "aumento do poder aquisitivo da população e da diminuição dos espaços públicos disponíveis para a prática de futebol", mas independente do motivo a tendência é que cada vez menos "Neymares" surjam nas nossas cidades, contrariando a crença de Gallo de que além de todo o trabalho que será feito teremos o plus do talento do jogador nascido no país. 

Arthur Sales e Carlos Thiengo/ Foto: Mariana Conrado
     Essa visão de que aqui, por alguma força divina, nascem os melhores jogadores do mundo é há tempos vendida e nós, em maior e em menor grau, acreditamos nisso, na evolução do pensamento humano, esse é o primeiro passo para explicar os fenômenos que vemos ao nosso redor. Transportando o pensamento humano para o futebol, começamos a sair do misticismo depois do mundial da Inglaterra, "quando o Brasil perde a copa em 66 questiona-se o modelo de atleta brasileiro, lá o futebol força assume, aí nós (a educação física) entramos no futebol com o discurso de melhorar a condição atlética",explica Carlos, é notável como o Pelé de 70 era uma máquina, o filme Pelé Eterno mostra que o grande objetivo do rei era estar voando no México e ele o atingiu com louvor. 

     Nossa roda de discussão mostrou um Carlos menos desiludido e mais otimista do que eu com questões que levantam discussões morais, como a nomeação de um ex-(recente)agente como coordenador das seleções, ele enxerga que assim como na política onde o "torturador e o torturado convivem no congresso hoje" é possível militar pelo futebol com cenário semelhante, mas mostra preocupação com a possível disputa entre o velho e o novo "é óbvio que em qualquer campo social existe uma disputa de poder entre o novo e o velho, o constituído e o aspirante, e nesse processo existe muita resistência. Quem está em cima não quer perder aquele espaço, principalmente um meio de alta visibilidade e reconhecimento social que é o futebol", conclui. O momento atual pede espaço para o novo, estar apenas inteiro fisicamente, como Pelé em 70, já não é suficiente.

     Por isso quando a pergunta é "quem deveria ser o novo técnico da seleção?" não existe resposta. O assunto não é "a, b ou c, é o modelo de pensamento predominante que está sendo questionado", diz Carlos, para ele não é hora de procurar nem Judas nem Messias. O modo como pensamos futebol, e aqui vou tomar a liberdade para traduzir o que entendi dessa conversa, é o de isolar as áreas de conhecimento, se determinado jogador ou equipe não responde é por que está mal tecnicamente, OU fisicamente, OU psicologicamente e nunca E, não se enxerga relação entre as partes é a visão biológica do jogador, o ser humano como animal. O jogador deve, e já é em algumas escolas, ser visto como um ser humano, a fragilidade técnica pode derrubar seu psicológico, uma mente forte pode fazer de um futebolista normal o cara que vai decidir o jogo. Por que na pelada o fôlego parece infinito quando o seu time está goleando e é tão difícil dar um pique com 7 a 1 no lombo? A visão humana do futebol explica. 

     Contando então que muita água vai passar nessa ponte até que estejamos prontos para construir um projeto de longo prazo. Tenho a esperança de ver em 2030, 2034, uma seleção nacional fruto de um trabalho que veja o jovem jogador como um ser humano que inserido no futebol depende dele para se desenvolver como tal e que entenda que a qualidade desse desenvolvimento vai afetar, para o bem ou para o mal, a sua vida adulta dentro ou fora do mundo da bola. 

Observação: Em meio à tanta discussão sobre o futuro do futebol, o feminino, ou praticado por mulheres como prefere Carlos, continua esquecido. 

Fontes:
Brasil: Quantos mais Copa do Mundo, menos futebol?
http://raquelrolnik.wordpress.com/2014/06/27/brasil-quanto-mais-copa-do-mundo-menos-futebol/

Programa Juca entrevista - Prof. Manuel Sérgio, "Pai" da Ciência da motricidade humana que teve como grande pupilo o treinador José Mourinho.
https://www.youtube.com/watch?v=88o2SqMTKKc

Filme: Pelé Eterno - Aníbal Massaini Neto (2004)

Um comentário:

  1. Está na hora de abrir as portas para novas tecnologias educacionais.
    FUTEBOL: www.youtube.com/watch?v=tdnL4WK9xRo

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